quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Os acontecimentos de ontem (14-11-2012)


Mais de 14 horas após os graves incidentes ocorridos ontem nas imediações da Assembleia da República, e cerca de 12 horas após o fim da Greve Geral convocada pela CGTP, mas a que aderiram muitos sindicados não filiados em qualquer central sindical e outros filiados na UGT, parece evidente que o principal beneficiado pelos acontecimentos foi o Governo. Não apenas pelo facto do uso da violência ter provocado natural e espontânea indignação junto de apoiantes incondicionais do Governo, mas também entre muitos para quem o Governo lhe era ou se tornara indiferente ou até provocava já cansaço senão mesmo repugnância. Ou seja, a violência usada por uma minoria com contornos e motivações políticas, sociais e ideológicas indeterminadas, funcionou como um “toca a reunir” entre alguns adversários compreensivos do Governo, mas, e sobretudo, entre apoiantes relutantes ou incondicionais da maioria e/ou nostálgicos do Portugal ordeiro supostamente existente entre 29 de Maio de 1926 e 24 de Abril de 1974. Os incidentes do fim da tarde de ontem foram pois uma causa mobilizadora, uma injecção de adrenalina e de legitimidade para um Governo e uma maioria cada vez mais acossados tanto a partir do interior dos partidos que o sustentam, como da sociedade que não entende e não aceita políticas que não apenas são contrárias ao prometido na campanha eleitoral de 2011, como não produzem quaisquer resultados esperados e abundantemente repetidos e prometidos (redução do défice orçamental, fim do crescimento da dívida pública, reforma do Estado, travagem do crescimento do desemprego e da recessão económica, uma nova postura ética por parte da classe política, combate à corrupção, fim da promiscuidade entre negócios privados e poder político, etc.).
O facto de o Governo ter para já beneficiado do rumo que tomaram os acontecimentos de ontem, leva-me a perguntar, no que à violência diz respeito e à crescente instabilidade política e social, de que lado está o Governo? O Governo quer evitar e, tanto quanto possível, parar a violência política e controlar a instabilidade social? Ou, pelo contrário, acredita que mais violência política e mais instabilidade social acabarão por beneficiá-lo a ele e aos seus propósitos? Digo isto porque, para além dos episódios de violência terem ontem dado nova força e legitimidade política e moral ao Governo, acabaram ainda, juntamente com a realização da própria greve geral, por fazer com que os portugueses esquecessem ou, provavelmente, nem sequer tivessem tomado conhecimento, dos dados que o INE divulgou sobre o agravamento da situação económica e social. De facto, foi justamente ontem que o INE, que depende do Governo (ao contrário do BP), nos recordou que o desemprego voltou a subir (está nos 15,8%) e o crescimento económico no 3.º trimestre de 2012 chegou aos 3,4% negativos. Alguém falou do assunto? Sim. Mas só durante escassas horas. Às oito na noite, nos telejornais, estas notícias mereceram pouco mais do que uma nota de rodapé. Aliás, já não é a primeira vez que o Governo tenta e consegue tapar más notícias sobre o orçamento, a economia e o desemprego com "incidentes" fora do comum. Há coincidências levadas da breca, sendo que no caso de ontem a violência de uns poucos e uma greve geral que os incondicionais do Governo ou/e inimigos figadais das desvalorizaram, acabaram afinal por esconder aquilo que é verdadeiramente importante e que o Governo não quer que se fale, nem quer falar (ontem os jornalistas perguntavam a Passos Coelho o que lhe parecia a carga policial em São Bento, mas esqueceram-se de o interrogar sobre os dados divulgados pelo INE). 
E de facto, enquanto a Greve Geral e, sobretudo, a violência nas ruas foram acontecimentos social, política e geograficamente muito localizados, o desemprego e a morte lenta da economia estão em cada canto do país e entram na casa de todos os portugueses onde há ou vai haver pelo menos um desempregado, uma pessoa com fome ou um salário parcialmente confiscado. 
Uma palavra final para aqueles que comparam a violência de ontem, e destes tempos conturbados que vivemos, com a violência do PREC e o papel que quo PCP nela desempenhou. É de facto um erro (involuntário?) pensar e dizer que a violência do PREC foi encomendada ou estimulada pelo CC do PCP. No entanto, e quando o PCP usou violência, fê-lo tanto para "bater" à sua direita como à sua esquerda. O PREC foi mais complicado do que às vezes parece. Por exemplo, vale a pena recordar que o PCP condenou sempre o terrorismo. Depois do 25 de Abril por razões óbvias. E antes só se meteu na chamada luta armada para não perder apoios e "legitimidade" numa oposição que a partir de meados da década de 1960 se tornou cada vez mais radical e complexa na luta contra o “fascismo”. Aliás, esta atitude nada tinha de original, filiando-se no pensamento e na acção da sua fonte inspiradora: o PC Soviético ou, antes, o Partido Bolchevique. Basta conhecer-lhe a história e a forma como sempre condenou, não a violência, o radicalismo e/ou o voluntarismo, mas a violência pela violência, o radicalismo pelo radicalismo e o voluntarismo pelo voluntarismo.