O facto de o Governo ter para já beneficiado do rumo que tomaram os acontecimentos de ontem, leva-me a perguntar, no que à violência diz respeito e à crescente instabilidade política e social, de que lado está o Governo? O Governo quer evitar e, tanto quanto possível, parar a violência política e controlar a instabilidade social? Ou, pelo contrário, acredita que mais violência política e mais instabilidade social acabarão por beneficiá-lo a ele e aos seus propósitos? Digo isto porque, para além dos episódios de violência terem ontem dado nova força e legitimidade política e moral ao Governo, acabaram ainda, juntamente com a realização da própria greve geral, por fazer com que os portugueses esquecessem ou, provavelmente, nem sequer tivessem tomado conhecimento, dos dados que o INE divulgou sobre o agravamento da situação económica e social. De facto, foi justamente ontem que o INE, que depende do Governo (ao contrário do BP), nos recordou que o desemprego voltou a subir (está nos 15,8%) e o crescimento económico no 3.º trimestre de 2012 chegou aos 3,4% negativos. Alguém falou do assunto? Sim. Mas só durante escassas horas. Às oito na noite, nos telejornais, estas notícias mereceram pouco mais do que uma nota de rodapé. Aliás, já não é a primeira vez que o Governo tenta e consegue tapar más notícias sobre o orçamento, a economia e o desemprego com "incidentes" fora do comum. Há coincidências levadas da breca, sendo que no caso de ontem a violência de uns poucos e uma greve geral que os incondicionais do Governo ou/e inimigos figadais das desvalorizaram, acabaram afinal por esconder aquilo que é verdadeiramente importante e que o Governo não quer que se fale, nem quer falar (ontem os jornalistas perguntavam a Passos Coelho o que lhe parecia a carga policial em São Bento, mas esqueceram-se de o interrogar sobre os dados divulgados pelo INE).
E de facto, enquanto a Greve Geral e, sobretudo, a violência nas ruas foram acontecimentos social, política e geograficamente muito localizados, o desemprego e a morte lenta da economia estão em cada canto do país e entram na casa de todos os portugueses onde há ou vai haver pelo menos um desempregado, uma pessoa com fome ou um salário parcialmente confiscado.
Uma palavra final para aqueles que comparam a violência de ontem, e destes tempos conturbados que vivemos, com a violência do PREC e o papel que quo PCP nela desempenhou. É de facto um erro (involuntário?) pensar e dizer que a violência do PREC foi encomendada ou estimulada pelo CC do PCP. No entanto, e quando o PCP usou violência, fê-lo tanto para "bater" à sua direita como à sua esquerda. O PREC foi mais complicado do que às vezes parece. Por exemplo, vale a pena recordar que o PCP condenou sempre o terrorismo. Depois do 25 de Abril por razões óbvias. E antes só se meteu na chamada luta armada para não perder apoios e "legitimidade" numa oposição que a partir de meados da década de 1960 se tornou cada vez mais radical e complexa na luta contra o “fascismo”. Aliás, esta atitude nada tinha de original, filiando-se no pensamento e na acção da sua fonte inspiradora: o PC Soviético ou, antes, o Partido Bolchevique. Basta conhecer-lhe a história e a forma como sempre condenou, não a violência, o radicalismo e/ou o voluntarismo, mas a violência pela violência, o radicalismo pelo radicalismo e o voluntarismo pelo voluntarismo.